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domingo, 1 de abril de 2012

Fra Angélico 3: o santo confrontado com artistas contemporâneos


Continuação do post anterior

O Beato foi praticamente o único pintor em seu gênero. Seus contemporâneos já estavam contaminados pelo ideal terreno, eminentemente emocional, que dentro em pouco dominaria a Renascença em plena realização. Zanobi Strozzi, um de seus primeiros discípulos, é um triste exemplo da solidão na qual os contemporâneos deixaram o mestre dominicano.

Em seu célebre quadro sobre Nossa Senhora, o Menino Jesus aparece despido (em todas as eras da Humanidade não se conhece exemplo de mãe que deixe seu bebê despido) enquanto Maria tem o olhar frio e vago, parecendo ignorar o Filho.


Dois anjos músicos ornam a parte inferior do quadro; um deles, o anjo da esquerda, melancólico e sensual, tem semelhança com certas figuras vistas nas ruas de nossas atuais cidades.

Strozzi pintou também o “Cristo do Apocalipse”, cuja expressão dura e impessoal da face e do gesto de mão, imprópria à majestade, contrasta com a mesma cena pintada por Fra Angélico no “Juízo Final”.

Giovanni di Francesco Ravezzano pertenceu à escola de Fra Angélico, embora tardiamente. Também ele quis representar Nossa Senhora com o Menino Jesus, mas sua concepção opõe-se à sutil sensibilidade do Beato.

Seus personagens já não exprimem nem pensamento nem elevação de sentimentos, quando não são sentimentais. Pinturas como as de Ravezzano contribuíram poderosamente para desviar a fervorosa piedade mariana medieval.

Alguns quadros ou afrescos atribuídos a Fra Angélico por reconhecidos especialistas foram influenciados e até mesmo completados por seus “discípulos”, podendo assim apresentar detalhes contraditórios com o vulto geral de sua obra.

Seu estilo apresenta uma “linguagem pictórica” forjada por intensa vida espiritual e pelo desejo santo de retratar Deus, seus anjos e seus santos de modo a serem mais bem conhecidos e amados.

Seu inconfundível estilo pode ser apreciado particularmente na “Crucifixão”, na representação de “Nossa Senhora no trono”, no afresco sobre a “Anunciação” e no magistral afresco “Apresentação no Templo”, pintado em uma das celas do convento.

A “alma” de seus personagens pode ainda ser percebida numa simples iluminura de um saltério. Trata-se da letra inicial do Salmo 52: “Disse o néscio em seu coração: Não há Deus. Perverteram-se, tornaram-se abomináveis...”

Com riqueza de detalhes a iluminura retrata o néscio — espírito precipitado e temerário —, voltado para os aspectos terrenos da existência, carente de elevação moral.

Um olhar mesmo fugaz desta iluminura despertaria imediatamente, em quem tinha o saltério nas mãos recitando os Salmos, uma santa repulsa por essa posição do espírito.

Pinturas de sobrenaturais virtudes da alma

Durante a visita ao Museu Jacquemart-André aprende-se que na biografia do Beato escrita pelo célebre Giorgio Vasari, o autor “insiste na particularidade de que o pintor parece ‘sair do paraíso’”.

A afirmação deste especialista se compagina a outra, de Plinio Corrêa de Oliveira, segundo a qual Deus, ao criar as maravilhas da natureza, deu-nos a tarefa de as completar.

Assim, muitas obras dos homens podem ser mais belas do que as da natureza, pois enquanto filhos de Deus os homens podem comunicar à sua obra algo de sua alma, a qual tem belezas inexistentes no mundo da natureza irracional.

A obra-prima de um pintor consiste em tomar aspectos da natureza — ou cenas da História Sagrada, no caso de Fra Angélico — comunicando a ela reflexos de sua alma habitada pelo sobrenatural.

Vê-se que o Beato Angélico uniu aspectos superiores de sua alma ao objeto de suas pinturas. Ele mesmo fabricava suas tintas com safiras e rubis triturados, óleos especiais, resinas de utilização até então desconhecida.

E assim ele trouxe à luz aspectos recônditos da natureza e das almas, da felicidade temporal e dos vislumbres da glória eterna. Suas tintas impregnaram telas e painéis de sobrenaturais virtudes de sua alma.

Quem contempla seus quadros tem a agradável sensação de estar em presença de realidades evidentes, conhecidas de todos, mas que convidam a um aprofundamento na medida em que uma luz suave emanando daquelas cores sugere traços transcendentais cujo conhecimento seria uma descoberta.

Em certo momento não se sabe o que mais atrai, se é a pintura ou a alma do Beato. Pode-se distinguir uma da outra?



Continua no próximo post

(Fonte: Nelson Ribeiro Fragelli, in “Catolicismo”, fevereiro 2012)


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