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Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Continuação do post anterior: Fra Angélico 1: luz sobre o dogma e a França
O Beato concebeu suas obras, segundo a tradição medieval, como instrumento de apostolado. Ele quis que elas trouxessem ao mundo reflexos da Beleza divina e de sua Igreja — reflexos tão perfeitos quanto seu pincel fosse capaz de representar.
Sua visão do Belo deveria instruir, mover as almas à oração e à contemplação. Foi o que fez na cela dos frades ao receber ordem de seu superior de orná-las com afrescos, no convento de São Marcos. Nelas deixou pinturas cujos traços revelam, em sua pureza e simplicidade, intensa vida interior do artista.
Antigos autores sustentam a hipótese de que ele teria tido visões durante as orações preparatórias para a execução de seus trabalhos de pintor.
Assim como os monges-construtores das primeiras catedrais góticas no século XII tinham em vista exclusivamente a edificação espiritual dos fieis, Fra Angélico apresentou, sob seus traços e suas cores, a verdade e o dogma.
Sob as suaves aparências de seu estilo ele sensibilizou as almas e assim as moveu rumo à aceitação gaudiosa das verdades eternas. Ele sofria ao ver a crescente negação dessas verdades pelo espírito da Renascença, cuja virulência já em seus primórdios contaminava seus contemporâneos, pintores e religiosos como ele.

Tais gestos e afeições invariavelmente denotam inabalável firmeza de princípios. A firmeza dos traços desperta o sentimento de coerência e de veracidade. A veneração pelo dogma movia seus pincéis.
Representações de perfeições espirituais
Em suas cenas são características as representações de largos espaços nos quais nenhuma ação se desenvolve. Esses espaços, imperceptivelmente, descansam o observador e permitem a meditação.
Ele preferia levar o observador à meditação em vez de provocar aplauso para a obra. Pouco tempo depois, com o advento da plena Renascença, seriam suprimidos esses espaços nas concepções artísticas, sobrecarregando-as de elementos geométricos ou alegóricos, excitando assim a imaginação em detrimento da composição lógica.
Estas execuções renascentistas introduziam a artificialidade, colhiam aplausos dos espíritos e os louvores faziam rejubilar seus autores voltados à glória terrena.
A singeleza das composições de Fra Angélico torna-as facilmente inteligíveis, os detalhes são subsidiários da idéia central e sua perspicácia psicológica enriquece agradavelmente o conhecimento. Suas obras ensinam.
As fisionomias, ao exprimir densidade de pensamento ou de sentimentos, comunicam a certeza de terem sido aquelas mesmas as cogitações do personagem representado. Ele tornou presente a vocação de cada figura através de seus traços fisionômicos.

Ela é de um entendimento simples e imediato, embora, uma vez compreendida, desperte o agradável sentimento de se atingir uma superior percepção de um mistério divino.
Nesses quadros, paradoxalmente, o mistério nada tem de obscuro, mas é apresentado sob a luz da razão. Eles reproduzem assim, de algum modo, os ensinamentos da Revelação.
O encanto pelo mistério não é despertado por um astucioso jogo de cores, mas provém de aspectos sublimes da santidade delicadamente apresentados.
Tal como nas catedrais, é a luz e seus matizes que elevam os corações. “Ad lucem per crucem”, diz-se na Igreja. O sofrimento é apresentado pelo frade pintor como sendo um caminho rumo a revelações superiores.
Mesmo nas cenas de martírio as fisionomias permanecem inabaláveis, fixas em suas certezas e em sua determinação.
No quadro “São Lourenço ajuda os pobres”, as feições dos mendigos traduzem tanta calma e segurança quanto a de São Lourenço, portador da bolsa de moedas. Esplendorosamente vestido, São Lourenço jejuava a fim de dar aos pobres mais virtudes do que dinheiro, e o modo com o qual eles o fitam mostra que pediam do santo, sobretudo gestos e palavras de vida eterna. Assim eram os espíritos naquela época de fé.
Na cena inteira ressuma o desejo do pintor de inspirar virtudes sublimes. “Fra Angélico teve o carisma de exprimir em suas obras a perfeição espiritual — expressão tão mais excelente quanto mais elevado era o objeto da obra” (Plinio Corrêa de Oliveira).
(Autor: Nelson Ribeiro Fragelli, in “Catolicismo”, fevereiro 2012)
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